Processos Administrativos Concluídos

Processo Administrativo Ordinário Nº 37/2016

Envolvidos: Clear CTVM S.A.
Assunto: Ausência do dever de diligência e lealdade com o cliente. Não realização de controle prévio de limite operacional do cliente firmado com o cliente.

Trata-se de processo administrativo instaurado em 2 de fevereiro de 2017, para apuração de supostas infrações cometidas por Clear Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. (“Clear” ou “Corretora”), em razão dos fatos e elementos de autoria e de materialidade de infrações apurados no Parecer da Superintendência de Acompanhamento de Mercado nº 109/2015, (“Parecer SAM”), no descritivo elaborado pela Superintendência de Auditoria e Negócios e pela Superintendência de Auditoria de Sistemas (“Descritivo de Auditoria”) e no Processo de Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízo (“MRP”) nº 441/2016 instaurado em face da Clear após reclamação apresentada por um cliente (“Cliente”) em 29.6.2016.

Segundo o Termo de Acusação, o Cliente contratou o sistema de negociação Metatrader para acesso direto ao ambiente eletrônico de negociação da BM&FBOVESPA S.A. - Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (atual denominação de B3 S.A. – Bolsa, Brasil Balcão - “B3”) e envio automatizado de ofertas, além do serviço disponibilizado pela Corretora de controle de ofertas enviadas via Metatrader, considerando os limites operacionais estabelecidos pela própria Corretora.

O Termo de Acusação indica que os limites operacionais do cliente não foram observados e que a Clear não cumpriu com sua obrigação de controlar as ofertas enviadas através do Metatrader, quando permitiu que o Cliente ficasse posicionado em 5.044 Minicontratos de Futuro de Ibovespa (WINM15), durante o pregão de 9.6.2015, enquanto suas garantias disponíveis (R$ 649,95 – seiscentos e quarenta e nove reais e noventa e cinco centavos) limitavam sua posição à, no máximo, 7 Minicontratos WINM15. Logo, a Corretora teria deixado de exercer suas atividades com diligência e lealdade, conforme disposição do caput do artigo 30 da Instrução CVM nº 505, de 27 de setembro de 2011 (“ICVM 505”).

Como resultado da inobservância, pela Corretora, de suas próprias regras de limite operacional, o cliente sofreu um prejuízo de R$ 488.396,00 (quatrocentos e oitenta e oito mil, trezentos e noventa e seis reais), em razão da execução de 2.751 negócios, por meio de operações day trade com contratos WINM15.

Em 10.04.2017, foi apresentada defesa, na qual a Corretora afirmava que: (i) possuía sistemas e controles robustos que realizavam o gerenciamento eficaz da gestão de risco das operações de seus clientes; (ii) seu sistema ficou sobrecarregado, visto que o Cliente teria enviado ordens de compra para a execução de 1.365.564 minicontratos WINM15, o que representava mais de 2.269,77% do seu número médio de minicontratos executados por dia; (iii) a falha pontual em seus controles internos, ocorrida no final do pregão de 9.6.2015, se deu, exclusivamente, em razão da atuação desastrada e inconsequente do investidor; (iv) não teria atuado sem a devida diligência e lealdade junto ao Cliente, considerando que o referido fluxo anormal de ordens não poderia ser antecipado por nenhum participante do mercado.

A defesa, ainda, destacou que a obrigação de implementar controles internos seria uma obrigação de meio e não de resultado, logo, a Corretora teria sido diligente na implementação de controles para o gerenciamento de risco pré-operacional, já que dispunha de um sistema de risco das operações de seus clientes, inclusive daqueles que negociavam em alta frequência, por meio de algoritmos.

A Corretora também apresentou entendimento jurisprudencial da CVM, que prevê que eventual falha nos controles internos não significa ineficiência nas rotinas de supervisão e afirma que a Corretora tomava uma série de medidas concretas para aperfeiçoar seus controles, implementando testes de stress para periodicamente verificar a efetividade e a resiliência de tais sistemas.

Por fim, a defesa afirmou que: (i) sempre agiu em benefício do cliente, considerando as rejeições de ofertas realizadas de forma manual com o intuito de minimizar os prejuízos do Cliente e o contato realizado para entender o que de fato teria ocorrido no pregão de 9.6.2015; e (ii) a Corretora tomou todas as medidas necessárias para evitar que tal situação se repetisse.

A Superintendência Jurídica da BSM elaborou parecer (“Parecer Jurídico”), datado de 11.10.2017, no qual opinou pelo descumprimento do artigo 30 da ICVM 505 pela Corretora, considerando a frustração da expectativa contratual criada no cliente, bem como a inobservância, pela Corretora, de suas próprias regras, quando não realizou o controle prévio de risco e os testes de stress necessários para garantir que a ferramenta disponibilizada não prejudicasse seus usuários e não ameaçasse a higidez do mercado de capitais em situações de stress.

Em manifestação ao Parecer Jurídico, a Clear reforçou os argumentos apresentados na defesa, solicitando a sua absolvição das acusações formuladas.

Em 22.3.2018, a Turma de Julgamento do Conselho de Supervisão da BSM (“Conselho de Supervisão”), decidiu, por unanimidade, pela condenação da Clear à pena de multa no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), considerando, na dosimetria da pena: (i) a gravidade da irregularidade apontada, que envolve falha no sistema de controles internos de risco da Clear; e (ii) o prejuízo bruto sofrido pelo Cliente, no valor de R$ 488.369,00 (quatrocentos e oitenta e oito mil, trezentos e sessenta e nove reais).

Foram consideradas como atenuantes: (i) o reconhecimento, pela Clear, da falha ocorrida em 9.6.2015; (ii) a ausência de intenção em prejudicar o Cliente; (iii) a melhora dos sistemas e controles de risco da Corretora, após a falha ocorrida em 9.6.2015; e (iv) a ausência de processos administrativos disciplinares anteriores transitados em julgado em face da Clear.

Em seu voto, o Conselheiro Relator Sérgio Odilon dos Anjos, destacou que a Clear descumpriu: (i) o dever de diligência por ter permitido que operações, acima do limite do risco que seria controlado pela própria Clear, fossem realizadas em nome de Cliente; e (ii) o dever de lealdade, que se relaciona com as obrigações de a Clear cumprir com suas próprias regras, consequentemente, de não quebrar as expectativas de seus clientes com relação ao cumprimento, pela Corretora, da gestão de risco pré-operacional, obrigação assumida pela Corretora em sua Política de Risco.

O voto do Conselheiro Relator Sérgio Odilon dos Anjos, também esclareceu que o valor da multa, ao qual a Corretora foi condenada, não poderia se prestar ao ressarcimento do investidor, pois: (i) a dosimetria da pena considerou as atenuantes descritas em seu voto; (ii) as operações ocorridas em 9.6.2015 também foram objeto do processo de Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízo nº 441/2016, julgado parcialmente procedente, em que se reconheceu o prejuízo do Cliente, e o ressarcimento foi limitado ao valor máximo possível de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), atualizados pelo IPCA e acrescidos de juros de 6% ao ano; e (c) as conclusões deste processo e do processo de MRP não obstam que o Cliente tente alcançar seu ressarcimento por outros meios.

Notificada do resultado do julgamento realizado pela Turma do Conselho de Supervisão da BSM, a Clear apresentou recurso, reiterando os argumentos apresentados na defesa, na manifestação ao Parecer Jurídico, e nos memoriais encaminhados, antes do julgamento, bem como solicitou a revisão da dosimetria utilizada pelo Conselheiro Relator, indicando que não estaria alinhada com os precedentes da BSM.

Em 23.7.2018, foi proferido despacho determinando a comprovação de que a Corretora teria assumido integralmente o prejuízo sofrido pelo Cliente, conforme exposto no recurso.

A Corretora se manifestou, em 16.8.2018, esclarecendo que cobriu os prejuízos das operações do Cliente, na qualidade de participante de negociação, perante a Câmara da B3 e alegou que tal valor poderia ser reivindicado judicialmente em face do Cliente. A Clear também destacou que seria possível abater o total do saldo devedor do Cliente, desde que o valor fosse reduzido integralmente do valor aplicado de multa pela Decisão recorrida.

Em 18.10.2018, o Pleno Conselho de Supervisão da BSM (“Pleno”), decidiu, por unanimidade, pela manutenção da decisão da Turma, destacando que a dosimetria da pena aplicada pela Turma do Conselho de Supervisão estaria adequada ao caso, e que por tal motivo, a decisão deveria ser mantida na íntegra.

O Conselheiro Relator Claudio Ness Mauch, em seu voto, demonstrou que os fatos analisados em sede de recurso não permitiam a alteração da pena aplicável a Recorrente, visto que: (i) restou configurada infração aos deveres de diligência e lealdade previstos no artigo 30 da ICVM 505/2011; e (ii) o Recurso não trouxe elementos que ensejassem a revisão da decisão tomada pela Turma.

EMENTA:
CLEAR. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES DE DILIGÊNCIA. DEVERES DE LEALDADE. CONTROLE PRÉVIO DE LIMITE OPERACIONAL DO CLIENTE PELA CORRETORA. REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES ACIMA DO LIMITE OPERACIONAL. INOBSERVÂNCIA REGRAS DA CORRETORA. NÃO REALIZAÇÃO DE TESTES E SIMULAÇÕES PERIÓDICOS QUE EXPONHAM OS SISTEMAS DE CONTROLE DE RISCO A TESTES DE ESTRESSE. INFRAÇÃO AO ARTIGO 30 DA ICVM 505. JULGAMENTO PELA TURMA DO CONSELHO DE SUPERVISÃO. PENALIDADE DE MULTA NO VALOR DE R$ 250.000,00. RECURSO. JULGAMENTO PELO PLENO DO CONSELHO DE SUPERVISÃO DA BSM. MANUTENÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA. PENALIDADE APLICADA. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO PELA CORRETORA.