Processos Administrativos Concluídos

Processos Administrativo Ordinário Nº 39/2016

Envolvidos: Banrisul S.A. CVMC, BRS Educação Financeira e Profissional Ltda. e seus sócios, os Srs. César Conter Leite e Diogo Giles Wünsch
Assunto: Descumprimento do dever de diligência e lealdade e Churning

Trata-se de processo administrativo instaurado para apuração de indícios de infrações cometidas por Banrisul S.A. CVMC (“Banrisul” ou “Corretora”), BRS Educação Financeira e Profissional Ltda. (“BRS”) e seus sócios, os Srs. César Conter Leite (“Sr. César”) e Diogo Giles Wünsch (“Sr. Diogo”) ou, em conjunto, (“Sócios”) em razão dos fatos e elementos de autoria e de materialidade apontados no Relatório de Auditoria nº 297/2015 (“Relatório 297/2015”) e Relatório de Auditoria Específica nº 56/2017 (“Relatório 56/2017”).

Segundo o Termo de Acusação, entre janeiro de 2011 e fevereiro de 2013, foi verificada a execução de negócios em nome de um Clube de Investimentos (“Clube”), por BRS AAI e seus Sócios, agentes autônomos de investimentos vinculados à Corretora, sem ordens do gestor do Clube e de maneira excessiva, com o objetivo de majorar a receita de comissão da BRS AAI por meio do aumento de custos com corretagem do Clube.

As informações apresentadas no Relatório 56/2017 demonstraram que foram executados 111.171 negócios em nome do Clube, sem as respectivas ordens do gestor, que apresentaram custo e taxa de giro elevados, configurando a prática de churning, em infração ao inciso I, com definição no inciso II, alínea “c” da Instrução CVM nº 8, de 8 de outubro de 1979 (“ICVM 8”).

A Corretora, na qualidade de administradora e intermediadora das operações em nome do Clube, ao não impedir a realização de operações fraudulentas, com prática de churning, durante o período de janeiro de 2011 a fevereiro de 2013, deixou de cumprir com seu dever de diligência e lealdade, conforme disposto no parágrafo único do artigo 4º da Instrução CVM nº 387, de 28 de abril de 2003 (“ICVM 387”), durante o período de 1º.1.2011 a 1º.4.2012, e no artigo 30 da Instrução CVM nº 505, de 27 de setembro de 2011 (“ICVM 505”), durante o período de 2.4.2012 a 18.2.2013.

Em 8.5.2017, BRS e seus Sócios apresentaram, tempestivamente, defesa conjunta, na qual alegaram que:

a. As operações realizadas pela BRS AAI e seus Sócios durante o período de janeiro de 2011 a fevereiro de 2013 foram autorizadas e consentidas pelos representantes legais do Clube;

b. O volume de operações em nome do Clube não foi acentuado ao se comparar com o patrimônio líquido do Clube;

c. O mercado incentiva o uso de day trade, que tem como essência rotatividade do patrimônio do investidor;

d. As operações realizadas em nome do Clube preservaram seu patrimônio, uma vez que a redução do patrimônio líquido do Clube foi de 3,8%, enquanto o mercado, no mesmo período, teve perda de 29,26%;

e. A valorização das cotas do Clube ocorreu quando houve maior volume de operações realizadas, sendo que a postura proativa dos representantes legais do Clube, com assessoria dos agentes autônomos da BRS AAI, garantiu a valorização das cotas do Clube, por meio de sucessivas operações que mitigaram as perdas;

f. BRS AAI, seus Sócios e a Banrisul ofereceram mais de 66% de desconto em valor de corretagem, o que demonstra a ausência do propósito de auferir vantagem patrimonial indevida e

g. Os fatos acima demonstrariam que não houve gestão irregular de carteira e prática de churning pela BRS AAI e seus Sócios.

BRS AAI e seus Sócios apresentaram proposta de Termo de Compromisso de pagamento à BSM da quantia de R$ 11.504,54 (onze mil, quinhentos e quatro reais e cinquenta e quatro centavos), referente à diferença entre o patrimônio inicial e final do Clube.

O Conselho de Supervisão da BSM, em reunião de 22.6.2017, apreciou a proposta de Termo de Compromisso apresentada e deliberou por condicionar a proposta ao pagamento à BSM do valor total de R$ 747.034,39 (setecentos e quarenta e sete mil, trinta e quatro reais e trinta e nove centavos), correspondente ao valor da corretagem recebida pela BRS AAI (R$ 622.528,66) no Período, acrescido de 20% (vinte por cento) (R$ 124.505,73), obedecendo a seguinte proporção: 30% a ser pago pela BRS AAI (R$ 224.110,31), 35% a ser pago por César (R$ 261.462,03) e 35% a ser pago por Diogo (R$ 261.462,03).

BRS AAI e seus Sócios foram intimados da decisão e apresentaram contraproposta no valor de R$ 13.805,44 (treze mil, oitocentos e cinco reais e quarenta e quatro centavos), correspondente a 20% do valor inicialmente proposto (fls. 457/460).

Em 10.8.2017, o Conselho de Supervisão determinou a manutenção do condicionamento deliberado em 22.6.2017. BRS AAI e seus Sócios foram intimados da decisão em 4.9.2017 (fls. 466/467) e não apresentaram manifestação.

Banrisul, em 23.5.2017, apresentou sua defesa na qual alegaram que:

a. Preliminarmente, Banrisul requereu o arquivamento do Processo Administrativo, em razão de supostas nulidades formais verificadas no Termo de Acusação; e

b. A Corretora alegou a ocorrência de prescrição, uma vez que decorreu o prazo de mais de 4 (quatro) anos entre a última operação realizada pelo Clube (18.2.2013) e a instauração do Termo de Acusação (3.3.2017). De acordo com a defesa, deveriam ter sido observados os prazos prescricionais do artigo 287, inciso II, alínea “b”, número 2, da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações) e do artigo 206, §3º, inciso IV da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), sendo que nos termos do artigo 240, §1º, da Lei nº 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), o ato que interromperia a prescrição seria a citação válida da Banrisul.

No mérito, Banrisul, em síntese, afirmou que:

a. desde a publicação, em 30.8.2011, do Relatório de Análise nº 1/2011 da Gerência de Análise Econômica da BSM, até a instauração do Termo de Acusação, a Corretora se deparou com 6 parâmetros de análise sobre a prática de churning, conforme descreveu às fls. 181, o que impossibilitou a Corretora de adotar um critério para a sua fiscalização, tendo em vista a ausência de um referencial técnico consolidado;

b. a Corretora não deixou de atuar com diligência e lealdade com seu cliente, na medida em que não tinha como impedir a realização e a continuidade de operações fraudulentas, tendo em vista que não era possível, à época dos fatos, caracterizá-las como tal, o que ficaria demonstrado pelo fato de a BSM ter feito 4 análises, depois da ocorrência dos fatos, usando metodologias diferentes, para só na última análise concluir que houve churning;

c. a corretagem gerada pelas operações em nome do Clube não poderia ser utilizada como elemento para comprovar que a Corretora não verificou a realização da prática de churning, uma vez que essa corretagem decorria do volume e tipo de operações realizadas, as quais estavam compatíveis com o perfil de investimento definido no Estatuto do Clube e, além disso, a BRS AAI solicitava descontos no valor da corretagem a ser paga pelo Clube, o que gerava redução na remuneração da BRS AAI;

d. não haveria indícios de anormalidade nas ordens referentes às operações questionadas, já que elas teriam sido ratificadas pelos gestores do Clube, os quais “eram conhecedores e anuíam com os negócios encaminhados à Corretora”. Além disso, o Clube realizou um quinto de seus negócios por meio de sessão final de cliente (home broker), sendo que esses negócios eram similares aos que eram repassados pela BRS AAI em nome do Clube;

e. a não entrega das ordens pela BRS AAI à Corretora não seria condição suficiente para afirmar que os agentes autônomos estavam praticando churning. Ademais, a Corretora diligenciou junto aos gestores do Clube, questionando sobre os negócios realizados, os quais foram confirmados;

f. no ofício 1849/2013-BSM-DAR, a BSM afirmou não ter identificado indícios de que a Corretora faltou com seu dever de lealdade para com os cotistas do clube. A CVM também teria se manifestado no sentido de que não haveria indícios materiais de infrações cometidas pela Corretora;

g. após três anos do ofício 1849/2013-BSM-DAR, a BSM “de forma unilateral” instaurou o presente Processo Administrativo, embasado em relatórios de auditoria que apresentaram avaliações diferentes sobre a prática de churning, violando os princípios constitucionais da segurança jurídica, coisa julgada e ato perfeito jurídico;

h. não haveria no presente Processo Administrativo “qualquer menção a existência de indício material que justifique a acusação de que a corretora era sabedora da indicada fraude e não agiu” para evitar a prática de churning;

i. não houve constatação pela BSM da prática de churning em auditorias específicas realizadas na Corretora nos anos de 2012 e 2013, conforme os Relatórios de Auditoria Operacionais BSM nº 113/2012 e nº 320/2013 e na “inspeção específica da BSM realizada junto à BRS AAI em 9 de maio de 2012”;

j. as falhas da Banrisul averiguadas pela BSM sobre o monitoramento de agentes autônomos de investimento foram sanadas, conforme Ofício 54/2014-BSM-DAR e o Relatório de Auditoria Operacional nº 831/2016;

k. o anexo ao Termo de Acusação denominado como “Doc. 5”, referente ao ofício OF/BSM/SJUR/PAD-0114/207, não foi mencionado no Termo de Acusação, nem nos Relatórios de Auditoria nº 56/17 e nº 297/15, o que poderia influenciar “equivocadamente” o julgamento do PAD 39/2016, por “imputar à Banrisul Corretora responsabilidade pelos prejuízos sofridos [pelo Clube], os quais decorrem do mercado”;

l. as cotas do Clube apresentaram performance acumulada superior ao IBOVESPA até a data de 6.6.2012, fator que impactou as informações de turnover ratio e cost-equity ratio apontadas no Termo de Acusação;

m. a Banrisul é primária na BSM, nunca tendo sofrido qualquer punição por “autoridades supervisoras” e;

n. por fim, teria rescindido o contrato com a BRS AAI no final de 2012.

Em 7.6.2018, no julgamento da Turma do Conselho de Supervisão da BSM (“Turma”), Banrisul, BRS e seus Sócios foram condenados às seguintes penalidades:

a. Banrisul: multa no valor de R$ 237.197,64, corrigido pelo CDI até a data do efetivo pagamento da penalidade. Após a correção, acrescenta-se o valor de R$ 47.439,53, correspondente a 20% do valor inicial, a título de desincentivo financeiro; e

b. BRS, Sr. César e Sr. Diogo: multa no valor de R$ 604.199,49, corrigido pelo CDI até a data do efetivo pagamento da penalidade. Após a correção, acrescenta-se o valor de R$ 120.839,90, correspondente a 20% do valor inicial, a título de desincentivo financeiro. O valor deverá ser pago da seguinte forma: 30% pela BRS AAI, 35% pelo Sr. César e 35% pelo Sr. Diogo.

De acordo com a Turma, BRS AAI e seus sócios capturaram a conta do Clube no período de fevereiro de 2011 a fevereiro de 2013, utilizando-se do poder de comando da conta para realizar operações excessivas e majorar o valor pago a título de corretagem, na prática de churning.

Quanto à Corretora, a Turma entendeu que, ao intermediar referidas operações fraudulentas, faltou com seu dever de diligência e lealdade com seu cliente, ainda mais sendo administradora do Clube, razão pela qual deveria ter verificado as irregularidades praticadas por BRS AAI e seus sócios pelo período de 2 (dois) anos.

A Banrisul, a BRS e os Sócios apresentaram recurso ao Pleno do Conselho de Supervisão da BSM (“Pleno”), reiterando os argumentos já apresentados ao longo da instrução processual do processo administrativo.

Em 6.6.2019, o processo foi julgado pelo Pleno, o qual manteve a decisão proferida pela Turma com o consequente trânsito em julgado da decisão.

EMENTA:
CORRETORA. AGENTES AUTÔNOMOS DE INVESTIMENTO PESSOA FÍSICA E PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ORDENS. OPERAÇÕES EXCESSIVAS REALIZADAS POR AGENTES AUTONOMOS DE INVESTIMENTO. PRÁTICA DE CHURNING. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE DILIGÊNCIA E LEALDADE PELA CORRETORA. CONDENAÇÃO. PENA DE MULTA. RECURSO AO PLENO DO CONSELHO DE SUPERVISÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DA TURMA.