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Aproveitamento de atuação autorregulatória permite imposição adequada de penalidades
Não há ainda consenso sobre como punir um mesmo desvio de conduta por diferentes esferas institucionais. Mas a possibilidade de aproveitamento da atuação autorregulatória e das penas por ela imposta, em processos administrativos sancionadores, no âmbito do mercado de capitais, parece ser um caminho viável e com maiores chances de obtenção de eficiência.
Em artigo, o Procurador-Chefe da Procuradoria Federal Especializada junto à CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, e o advogado e Presidente do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado (IIEDE), Fábio Medina Osório, analisam os argumentos envolvidos no debate sobre a proporcionalidade e aplicação de penalidades, considerando o princípio do non bis in idem (da não repetição de punição para um mesmo fato), com o aproveitamento, ou não, da autorregulação, nos casos envolvendo o mercado de capitais e suas instituições.
“A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve atuar de forma criteriosa e seletiva no exercício de sua pretensão punitiva. Não pode atuar de modo arbitrário, nem desencadear ou conduzir processos de modo desenfreado, desprovida de critérios, notadamente em relação a pessoas que já tenham sido apenadas ou que tenham assumido compromissos de ajustamento de conduta noutras instâncias de forma satisfatória ou suficiente”.
Os autores defendem que essa é uma premissa básica que, certamente, em conjunto com outros fatores correlatos e igualmente relevantes, conduziu ao disposto no art. 49, §§ 4º, 5º e 6º, da Instrução CVM nº 461/2007, que estabelece a possibilidade da CVM aproveitar as penalidades impostas e termos de compromisso firmados no âmbito da BSM, quando relativos aos mesmos fatos e ao mesmo agente, o que está em perfeita sintonia com a moderna dimensão do princípio do non bis in idem enfocada no artigo.
O que não está disposto expressamente na Instrução CVM nº 461, é em que medida a CVM pode aproveitar as penalidades impostas ou os termos de compromisso celebrados no âmbito dos autorreguladores . De acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da proporcionalidade e seus desdobramentos, não é necessário que a contrapartida ao desvio de conduta seja idêntica para o aproveitamento das respectivas medidas numa ou noutra instância.
“O agente pode, por exemplo, vir a ser adequada e rapidamente penalizado pela instituição autorreguladora, mediante decisão com um importante e visível efeito paradigmático junto ao mercado mobiliário, e, em sede de termo de compromisso, após toda a análise discricionária cabível no âmbito da CVM, lograr obter um ajuste que afaste a possibilidade de aplicação de penalidade adicional pela Autarquia, em vista do postulado da proporcionalidade e de um entendimento institucional, no caso concreto, de que até os efeitos de qualquer possível nova sanção já teriam sido plenamente atingidos pela tempestiva e efetiva atuação autorregulatória”.
É no contexto da proporcionalidade que os autorreguladores obrigatórios (como a BSM e BM&FBOVESPA, que têm status de autorreguladoras e órgãos auxiliares da regulação estatal por força do disposto no art. 17, parágrafo único, da Lei nº 6.385/1976) ou voluntários (como a ANBID), nas suas esferas regulatórias, podem e devem aplicar penalidades e celebrar termos de compromisso, inibindo práticas contrárias ao mercado de valores mobiliários.
Segundo o artigo, “estimular uma adequada imposição de penalidades e a celebração de termos de compromisso por órgãos autorreguladores do mercado de capitais que, embora privados, desempenham papéis de relevante interesse para o Estado brasileiro, no corpo de processos disciplinares internos nos quais seja caracterizada a existência de desvios de conduta, certamente é algo que integra os objetivos institucionais da CVM e pode ser alcançado por meio de uma inteligente utilização da sistemática de aproveitamento da atuação autorregulatória”.
Os autores destacam ainda como o modelo de autorregulação pode contribuir para o fortalecimento dos mecanismos regulatórios e para o descongestionamento das pautas dos órgãos externos de controle, permitindo-lhes focos mais concentrados e seletivos de atuação e, em última análise, maior eficiência.
“E em relação especificamente aos termos de compromisso (no caso da CVM, o instituto está previsto no art. 11, § 5º, da Lei nº 6.385/1976), trata-se de um instrumento viabilizador de espaços discricionários abertos aos acordos entre as partes envolvidas. Nesse campo, há legítimos movimentos de negociação, em que as partes manejam cenários e horizontes, com suas perspectivas. É em tal quadro axiológico e normativo que os agentes da CVM podem levar em consideração as penalidades impostas e os termos de compromisso firmados com os agentes econômicos no âmbito dos autorreguladores do mercado de capitais, no bojo de uma negociação, à luz do postulado ou princípio da proporcionalidade, para fins de se chegar, em cada caso, a um ajustamento de conduta plenamente satisfatório para o interesse público presente”.