Processos Administrativos Concluídos

Processo Administrativo nº 21/2017

Envolvidos: Priscila Santos Alves, Sergio Peres de Mello, SPM Agentes Autônomos de Investimento Ltda. e XP Investimentos CCTVM S.A.
Assunto: Execução de operações sem ordens prévias e churning

Trata-se de processo administrativo disciplinar instaurado em 22.1.2018, em face de Priscila Santos Alves (“Priscila”), Sérgio Peres de Mello (“Sérgio”), SPM Agentes Autônomos de Investimento Ltda. (“SPM”) e XP Investimentos CCTVM S.A. (“XPI”), em razão dos indícios de irregularidades identificados no âmbito do MRP nº 430/2016, relacionados à (i) execução de operações sem ordens prévias de um cliente (“Cliente”); (ii) execução de operações excessivas com o objetivo de gerar vantagem indevida (churning); (iii) quebra do dever de sigilo sobre operações realizadas pelo Cliente; (iv) uso de senha eletrônica de uso exclusivo do Cliente; e (v) quebra do dever de diligência em fiscalizar agente autônomo de investimentos, no período compreendido entre 13.11.2014 a 19.9.2015.

Esses indícios de irregularidades foram identificados pela Auditoria da BSM, por meio do Relatório de Auditoria 750/16, durante o curso do processo de MRP nº 430/16.

De acordo com o Relatório de Auditoria 750/16, a Auditoria da BSM identificou a execução de 38 operações realizadas sem ordens prévias, por meio da sessão Assessor em nome do Cliente, no período compreendido entre 25.9.2014 e 22.1.2015. De acordo com o Termo de Acusação, a sessão Assessor é a conexão concedida ao agente autônomo de investimentos para registro de ofertas no sistema eletrônico de negociação a partir das ordens recebidas de seus clientes.

O Relatório de Auditoria nº 750/2016 apontou Sérgio como o agente autônomo de investimentos habilitado pela B3 para atuar nos mercados organizados de valores mobiliários e responsável pela sessão Assessor por meio da qual as operações em nome do cliente foram executadas.

Todavia, segundo o Termo de Acusação e as provas colacionadas aos autos do PAD, todas as operações realizadas em nome do Cliente por meio da sessão Assessor foram executadas por Priscila. A execução dessas operações era proveniente de diálogos estabelecidos entre Priscila e um amigo do Cliente, o qual não estava autorizado a emitir ordens em nome daquele.

Desse modo, conforme apontado no Termo de Acusação, os comandos de compra ou de venda de valores mobiliários encaminhados pelo amigo do Cliente à Priscila não podem ser considerados ordens para fins do mercado organizado, uma vez que o Cliente não havia constituído procurador.

Ainda de acordo com o Termo de Acusação, ao permitirem a execução de 38 operações em nome do Cliente, por meio da sessão Assessor, a XPI e a SPM falharam em garantir que somente ordens de compra e venda de valores mobiliários transmitidas por clientes ou por procuradores devidamente autorizadas sejam executadas nos mercados organizados de valores mobiliários.

O Termo de Acusação também apontou, com base no Relatório de Auditoria nº 003/2018, a apuração de operações realizadas em nome do Cliente que apresentaram índices de turnover ratio e cost-equity ratio que indicavam indícios da prática de churning.

Foi identificado, ainda, que Priscila teve controle da conta do Cliente e realizava operações tanto com base no comando do amigo do cliente quanto por conta própria, eis que independentemente de tais comandos.

Desse modo, estavam presentes os três elementos necessários para a prática de churning: a) negociação excessiva; b) custos excessivos; e c) captura da conta do cliente, com o propósito de gerar taxas excessivas de corretagem.

A SPM recebia comissão à época dos fatos, correspondente a 75% da taxa de corretagem apurada sobre os negócios que intermediasse, e Priscila e Sérgio, sócios da SPM, tinham participação nos lucros e resultados da sociedade, sendo beneficiados pelo aumento do total de corretagem gerado pelas operações

O Termo de Acusação também imputou à Priscila (i) a prestação de informações a terceiros sobre a realização de operações em nome do Cliente, uma vez que tal procedimento configurava quebra de sigilo de informações; e (ii) a posse de senha pessoal do Cliente e a sua utilização para realizar operações em nome dele por meio do home broker.

Segundo o Termo de Acusação, a XPI teria deixado de adotar tempestivamente conduta diligente para fiscalizar e impedir que a SPM, Sérgio e Priscila privilegiassem seus próprios interesses em detrimento dos do Cliente. Ademais, a XPI teria falhado no dever de diligência e lealdade com o Cliente, pois, em que pese ter reconhecido a irregularidade de atuação de seus prepostos, deixou de reparar os prejuízos sofridos pelo cliente a partir das operações fraudulentas executadas, inclusive sustentando a validade das operações, sob o argumento de que foram baseados em mandato tácito que o Cliente teria outorgado.

Desse modo, foram imputadas as seguintes acusações:

a) À Priscila: infração ao (i) inciso I, conforme definido pelo inciso II, alínea “c”, da ICVM 8/1979, ao executar 38 operações fraudulentas, ao longo de 27 pregões, entre 25.9.2014 e 22.1.2015, sem prévia ordem, com o intuito de obter vantagem patrimonial por meio da prática de churning; (ii) artigo 10, caput e inciso II do parágrafo único, da ICVM 497/2011, ao deixar de exercer suas atividades com boa-fé, diligência e lealdade em relação ao investidor ao fornecer a terceiros informações confidenciais dele, às quais tinha acesso em razão do exercício de sua função; e (iii) inciso VII, do artigo 13, da ICVM 497/2011 ao utilizar senhas de uso exclusivo do Cliente para o acesso via home broker ao sistema eletrônico de negociação para executar operações em 29.9.2014;

b) A Sérgio: infração ao inciso I, conforme definido no inciso II, alínea “c”, da ICVM 8/1979 ao permitir e se beneficiar da prática de churning na execução de 38 operações, entre 25.9.2014 e 22.1.2015, sem prévia ordem, por meio da sessão Assessor cadastrada em seu nome;

c) À SPM: infração ao (i) inciso I, conforme definido no inciso II, alínea “c”, da ICVM 8/1979 ao permitir e se beneficiar da prática de churning na execução de 38 operações, entre 25.9.2014 e 22.1.2015, sem prévia ordem, por meio da sessão Assessor cadastrada no nome de Sérgio; e (ii) item 29 do Roteiro Básico ao falhar em garantir que somente ordens de compra e venda de valores mobiliários transmitidas por procuradores autorizados e identificados no cadastro do cliente sejam consideradas válidas para a execução de operações nos mercados organizados de valores mobiliários;

d) À XPI: infração ao (i) artigo 17, inciso II, da ICVM 497/2011, por falhar no dever de fiscalizar as atividades de Priscila, Sérgio e SPM nas operações realizadas em nome do Cliente; (ii) artigo 30, caput e parágrafo único, da ICVM 505/2011, por falhar no dever de diligência e lealdade com relação ao investidor, ao permitir a prática de churning em seu prejuízo e, mesmo após reconhecer a irregularidade, não reparar o prejuízo ao investidor; e (iii) item 29 do Roteiro Básico ao falhar em garantir que somente ordens de compra e venda de valores mobiliários transmitidas por procuradores autorizados e identificados no cadastro do Cliente sejam consideradas válidas para a execução de operações nos mercados organizados de valores mobiliários.

Os Defendentes foram regularmente intimados da instauração do PAD 21/2017, sendo que Priscila, Sérgio e XPI apresentaram suas defesas acerca das acusações que lhes eram imputadas.

Em defesa, Sérgio afirmou que, desde que aprovado em seu exame de certificação, perante a CVM, para exercer as funções de agente autônomo de investimentos, sempre atuou dentro das regras estabelecidas pela entidade reguladora.

Sérgio também apresentou breve resumo acerca da evolução societária da SPM, afirmando que, desde 13.3.2014, ele e Priscila integram o quadro societário como únicos sócios.

Afirmou que, por disporem de um único terminal, os dois sócios operavam em dias alternados, com o compromisso de que toda ordem recebida por telefone teria contrapartida por mensagem eletrônica, sendo que as solicitações de ordens de clientes para operações que realizavam eram comprovadas ao setor de Compliance da XPI.

Sérgio alegou, também, que cada sócio atendia seus próprios clientes, sendo certo que o Cliente já era cliente de Priscila antes da sua entrada na sociedade, de modo que desconhecia a relação entre o Cliente e seu amigo. Sérgio afirmou que tomou ciência de que esse amigo pedia para que Priscila executasse operações em nome do Cliente somente quando a XPI decidiu pelo distrato com a SPM.

Sérgio registrou, ainda, que Priscila dispunha de código próprio para terminal Assessor, de modo que se declarou surpreso de que seu código tenha sido utilizado para a realização das operações. Consignou, por fim, que as irregularidades praticadas deveriam ser imputadas somente à Priscila.

A XPI apresentou defesa alegando, em resumo, que (i) o Cliente tinha ciência de todas as operações e concordava com elas; (ii) que sua estrutura de fiscalização sobre os AAI vinculados é composta de robustos controles; e (iii) que o Cliente teria atuado de forma contraditória, pois inicialmente concordou com a realização das operações e discordou posteriormente, em função dos prejuízos ocorridos.

Priscila apresentou proposta de Termo de Compromisso, comprometendo-se, para o encerramento do processo, a cessar a prática das irregularidades e a indenizar o Cliente no valor de R$ 3.557,06 (três mil, quinhentos e cinquenta e sete reais e seis centavos), valor correspondente à comissão por ela recebida a partir da corretagem cobrada do Cliente.

Priscila também apresentou defesa afirmando, em resumo, que (i) utilizou a sessão Assessor registrada em nome de Sérgio para executar operações em nome do Cliente, no entendimento de que as regras operacionais da B3 lhe autorizariam utilizar a conexão cadastrada em nome de seu sócio; e (ii) inexiste exigência legal ou regulatória no sentido de que a relação de mandato seja formalizada em um instrumento de mandato expresso e escrito, devendo ser reconhecida a validade de mandato outorgado tacitamente e de forma verbal. Na ocasião, além de sua defesa, Priscila também apresentou pedido de produção de provas.

Em 10.5.2018, Priscila foi comunicada acerca da decisão do Diretor de Autorregulação da BSM de rejeitar o pedido de produção de provas, tendo em vista que as provas solicitadas não se mostravam pertinentes ou necessárias para a elucidação dos fatos apurados no PAD nº 21/2017.

Em 6.6.2018, Priscila recorreu da referida decisão, argumentando que a produção da prova documental requerida revelaria um padrão de atuação dos investimentos e das operações realizadas idêntico ao enfrentado no processo, além de revelar a existência de mandato tácito.

O Conselho de Supervisão da BSM, por meio do Conselheiro-Relator Henrique de Rezende Vergara, decidiu pela manutenção da decisão do Diretor de Autorregulação da BSM.

Em reunião realizada em 24.5.2018, o Conselho de Supervisão da BSM deliberou, por unanimidade, condicionar a proposta de Termo de Compromisso apresentada por Priscila ao pagamento à BSM do valor de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais), tendo em vista a gravidade da infração apurada e os precedentes da BSM em casos similares.

O condicionamento feito pelo Conselho de Supervisão da BSM foi declinado por Priscila pois, segundo ela, carecia de razoabilidade.

A Superintendência Jurídica da BSM (“SJU”) emitiu Parecer Jurídico (“Parecer Jurídico”), concluindo pela presença dos elementos que comprovam as práticas das irregularidades apontadas no Termo de Acusação, com exceção da SPM, em razão de sua liquidação extrajudicial.

Em 19.8.2021, a Turma do Conselho de Supervisão da BSM, composta pelos Conselheiros João Vicente Soutello Camarota (Relator), Henrique de Rezende Vergara e Marcus de Freitas Henriques, decidiu por unanimidade:

a) Condenar Priscila ao pagamento de multa no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), por ter violado o disposto no artigo 13, inciso VII da ICVM 505, ao utilizar senhas pessoais do seu cliente na realização de operações por meio do home broker;

b) Absolver Priscila pelas acusações da prática de churning, prevista no inciso I, conforme definido no inciso II, alínea “c”, da ICVM nº 8 e da violação ao dever de sigilo, ao fornecer informações confidenciais a terceiros, prevista no artigo 10, caput e inciso II do parágrafo único da ICVM 497;

c) Absolver Sérgio pela acusação da prática de churning, prevista no inciso I, conforme definido no inciso II, alínea “c”, da ICVM nº 8;

d) Absolver a XPI pelas acusações de (i) falha em garantir que somente ordens de compra e venda de valores mobiliários transmitidas por clientes ou por procuradores devidamente autorizados pelo cliente fossem consideradas válidas para a execução de operações no mercado de valores mobiliários, em infração ao item 29 do Roteiro Básico; (ii) falha no dever de fiscalizar as atividades da SPM, Sérgio e Priscila nas operações realizadas em nome do cliente, sem acompanhar os correspondentes indicadores de churning, em infração ao artigo 17, inciso II da ICVM 497; e (iii) não agir de forma diligente e leal para com o cliente, ao não reparar os prejuízos sofridos pelo cliente que teriam ocorrido em consequência das operações executadas por Priscila, em infração ao artigo 30, caput e parágrafo único da ICVM 505; e

e) Arquivar o processo em relação à SPM por ter sido decretada a liquidação extrajudicial da sociedade.

Em 18.10.2021, Priscila apresentou recurso à decisão da Turma do Conselho de Supervisão, alegando, em síntese, a preclusão punitiva pelo atraso no julgamento do processo pela Turma do Conselho de Supervisão da BSM, motivo pelo qual sustentou a necessidade de encerramento do processo sem aplicação de penalidades.

Também alegou que a decisão recorrida deixou de indicar comprovadamente o elemento subjetivo da ilicitude, tendo se limitado a indicar seu aspecto abstrato, razão pela qual caberia a sua absolvição e, caso assim não fosse, a redução da multa fixada.

Em 24.2.2022, a Instância Recursal do Conselho de Supervisão da BSM decidiu, por unanimidade, pela manutenção da decisão recorrida, referendando a condenação de Priscila ao pagamento de multa no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

O PAD nº 21/2017 transitou em julgado em 24 de fevereiro de 2022.

EMENTA:
OPERADOR. ACUSAÇÃO DE CHURNING. ACUSAÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE SENHA DE USO PESSOAL DE INVESTIDOR. TERMO DE COMPROMISSO NÃO CELEBRADO. CONDENAÇÃO DE AGENTE AUTÔNOMO DE INVESTIMENTOS PELA UTILIZAÇÃO DE SENHA DE USO EXCLUSIVO DE CLIENTE. MULTA DE 70 MIL REAIS. ABSOLVIÇÃO DA ACUSAÇÃO DE CHURNING. DECISÃO MANTIDA PELA INSTÂNCIA RECURSAL. ENCERRAMENTO DO PROCESSO.