Processos Administrativos Concluídos

Processo Administrativo nº 3/2021

Envolvida: Valuta Invest Agente Autônomo de Investimentos EIRELI ME, Cleber Tibúrcio
Assunto: Prática de Churning; Confecção e envio de extrato a clientes; Delegação de atividade de agente autônomo de investimento a terceiros

O Processo Administrativo Disciplinar n° 03/2021 (“PAD 3/2021”) foi instaurado em face de Cleber Tibúrcio (“Cleber”) e Valuta Invest Agente Autônomo de Investimentos EIRELI ME (“Valuta”), respectivamente, agente autônomo de investimento e empresa individual de responsabilidade limitada da qual Cleber é titular, em razão de irregularidades identificadas nos processos de Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízo de números 181/2018, 200/2018, 209/2018, 216/2018 e 611/2019 (“Processos de MRP”).

No âmbito dos Processos de MRP, apresentados entre julho de 2018 e julho de 2019, investidores atendidos pela Valuta alegaram que (a) foram realizadas operações, incluindo empréstimos de ativos, sem prévia autorização; (b) as operações eram realizadas com o intuito de gerar corretagem para a Valuta; e (c) eram enviados extratos e relatórios com o logotipo da Valuta apontando posições e patrimônio divergentes das informações registradas na B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3”).

Em paralelo à condução dos Processos de MRP, a BSM iniciou Auditoria Específica na instituição intermediária à qual a Valuta foi vinculada entre agosto de 2013 e junho de 2018. As conclusões da Auditoria Específica apontam que: (i) não foram identificadas ordens prévias para 18.350 negócios executados em nome dos clientes atendidos pela Valuta; (ii) os clientes atendidos pela Valuta apresentavam elevado giro na carteira e elevada cobrança de taxa de corretagem em favor da Valuta; e (iii) foi identificada divergência entre as posições em custódia informadas nos documentos enviados pela Valuta aos clientes com a posição em custódia registrada na B3.

No âmbito do Processo de MRP n° 209/2018, a BSM também identificou indícios de que Valuta e Cleber delegaram a R.T.M., pessoa não credenciada perante a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) como agente autônomo de investimento, a execução de atividades exclusivas desse profissional, que constituíam objeto do contrato celebrado entre a Valuta e a instituição intermediária a qual era vinculada.

Diante disso, o Termo de Acusação do PAD 3/2021 acusou Valuta e Cleber de:

a) realizar operações em nome de clientes, entre janeiro de 2014 e junho de 2018, que caracterizam a prática de churning, em infração ao artigo I, conforme definido no inciso II, alínea c, da ICVM 8, vigente à época dos fatos;

b) confeccionar e enviar para clientes extratos contendo informações sobre as operações realizadas ou posições em aberto, em infração ao artigo 13, inciso VIII, da ICVM 497, vigente à época; e

c) delegar a R.T.M., pessoa não credenciada perante a CVM como agente autônomo de investimento, a execução de atividades exclusivas desse profissional, que constituíam objeto do contrato celebrado entre a Valuta e a Ágora, em infração ao artigo 13, inciso IV, da ICVM 497.

Quanto ao churning, o Termo de Acusação sustentou a presença, no caso concreto, dos três elementos caracterizadores dessa prática, a saber, (I) o giro excessivo da carteira de investimentos; (II) a intenção de gerar receitas de corretagem ou outras comissões; e (III) o controle sobre as operações cursadas em nome do investidor.

Quanto ao primeiro elemento, a Acusação apontou que os indicadores objetivos de churning foram atingidos, sendo identificado um elevado índice de turnover ratio e de cost-equity ratio nas operações cursadas em nome desses clientes.

Em relação ao segundo elemento, a Acusação destacou que, entre setembro de 2013 e abril de 2018, a Valuta recebeu R$ 3.387.922,00 a título de comissão, pagos pela instituição intermediária a que era vinculada. Nesse sentido, o giro excessivo da carteira dos clientes resultou em ganho patrimonial considerável para Valuta e Cleber, que, na condição de único sócio da Valuta, se beneficiou diretamente da corretagem obtida a partir das operações fraudulentas.

Sobre o terceiro elemento caracterizador da prática de churning, a Acusação considerou que Valuta e Cleber detinham o controle da conta dos investidores, uma vez que foi comprovada a execução de 18.350 operações sem ordens prévias dos clientes atendidos pela Valuta.

De acordo com a Acusação, o ardil empregado por Cleber e pela Valuta para induzir e manter os clientes em erro estava evidenciado pelo fato de que a Valuta enviava extratos aos seus clientes contendo informações inverídicas sobre as operações realizadas ou as posições em aberto.

Assim, a Acusação considerou que conjunção dos indicadores da prática de churning e a ausência de ordens para a realização de operações comprovava que Cleber, por meio da Valuta, decidia os negócios em nome dos clientes para majorar as receitas da Valuta decorrentes da corretagem gerada pelas operações, sem visar ao melhor interesse desses clientes, em descumprimento ao inciso I da ICVM 8, conforme definido no inciso II, alínea “c”, da mesma norma.

Para que isso fosse possível, Valuta e Cleber mantinham seus clientes em erro, tendo em vista a confecção e o envio de extratos aos clientes contendo informações inverídicas sobre as operações realizadas ou as posições em aberto, em infração ao artigo 13, inciso VIII, da ICVM 497.

Adicionalmente, a Acusação apontou que, apesar de R.T.M. nunca ter sido agente autônomo de investimento registrado junto à CVM, os documentos apresentados no âmbito do Processo de MRP n° 209/2018 indicavam que R.T.M. realizava a prospecção e a captação de clientes para a Valuta, prestava informações sobre estratégias de investimento e recomendava operações aos clientes, exercendo atividades próprias de agente autônomo de investimento previstas no artigo 1º, incisos I e III da ICVM 497.

Desse modo, a Acusação considerou que Valuta e Cleber violaram o disposto no artigo 13, inciso VI, da ICVM 497, pois delegaram atividades próprias de agente autônomo de investimento a R.T.M..

Apesar de terem sido devidamente citados, Valuta e Cleber não apresentaram defesa no prazo regulamentar.

O PAD 3/2021 foi distribuído para julgamento pela Turma do Conselho de Supervisão por conexão com o Processo Administrativo Disciplinar n° 4/2021.

Em 11.11.2022, foi realizada sessão de julgamento pela Turma do Conselho de Supervisão da BSM, composta pelos Conselheiros Henrique Vergara (Relator), Aline de Menezes Santos e Marcus de Freitas Henriques.

Apesar de presente na sessão de julgamento, Cleber, na condição de defendente e de representante legal da Valuta, não realizou sustentação oral.

Por unanimidade, a Turma do Conselho de Supervisão da BSM deliberou, quanto a Cleber, pela condenação às seguintes penalidades:

(a) multa, no valor de R$ 10.830.724,17 (dez milhões, oitocentos e trinta mil, setecentos e vinte e quatro reais e dezessete centavos), correspondente a 2,5 vezes o valor de ganhos de corretagem obtidos com as operações irregulares realizadas no período de 12.8.2013 a 5.6.2018, por violação ao disposto no item I, conforme definido no item II, alínea “c” da ICVM 8, ao praticar o ilícito de churning no mercado de valores mobiliários brasileiro; e

(b) multa, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por infração ao artigo 13, inciso VI, da ICVM 497, em razão da delegação a R.T.M. de atividades exclusivas de AAI, sem que ele fosse registrado perante a CVM.

Já a Valuta foi condenada às seguintes penalidades:

(i) inabilitação temporária, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de AAI vinculada a quaisquer dos Participantes dos mercados administrados pela B3, por ter violado o disposto no item I, conforme definido no item II, alínea “c” da ICVM 8, ao praticar o ilícito de churning no mercado de valores mobiliários brasileiro; e

(ii) multa, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por infração ao artigo 13, inciso VI, da ICVM 497, em razão da delegação a R.T.M. de atividades exclusivas de AAI, sem que ele fosse registrado perante a CVM.

Em relação à acusação de infração ao artigo 13, inciso VIII, da ICVM 497, a Turma do Conselho de Supervisão da BSM entendeu que o envio dos extratos com informações falsas aos clientes consistiu no ardil que permitiu a consumação das operações fraudulentas contra os clientes da corretora com a qual estavam vinculados. Desse modo, entendeu-se que referida infração foi absorvida pela prática de churning, capitulada como operações fraudulentas na forma prevista na ICVM 8.

Em 9.12.2022, Valuta e Cleber foram formalmente comunicados da decisão da Turma do Conselho de Supervisão da BSM, bem como da possibilidade de apresentar recurso com efeito suspensivo à Instância Recursal do Conselho de Supervisão da BSM, no prazo de 15 dias a contar do recebimento da comunicação, nos termos do artigo 21, parágrafo primeiro, do Regulamento Processual da BSM.

O prazo transcorreu sem que Valuta e Cleber interpusessem recurso, tendo a decisão da Turma do Conselho de Supervisão da BSM transitado em julgado em 31.12.2022, conforme artigo 20 do Regulamento Processual da BSM.

EMENTA:
AGENTE AUTÔNOMO DE INVESTIMENTO E PESSOA JURÍDICA ACUSADOS DE PRÁTICA DE CHURNING, CONFECÇÃO E ENVIO DE EXTRATO E DELEGAÇÃO DE ATIVIDADE DE AGENTE AUTÔNOMO DE INVESTIMENTO. NÃO APRESENTAÇÃO DE DEFESA. JULGAMENTO POR CONEXÃO. AGENTE AUTÔNOMO DE INVESTIMENTO CONDENADO À PENA DE MULTA POR INFRAÇÃO AO ITEM I, CONFORME DEFINIDO NO ITEM II, ALÍNEA ‘C’, DA ICVM 8, NO VALOR DE R$ 10.830.724,17. AGENTE AUTÔNOMO DE INVESTIMENTO CONDENADO À PENA DE MULTA DE R$ 50.000,00 POR INFRAÇÃO AO ARTIGO 13, VI, DA ICVM 497. PESSOA JURÍDICA CONDENADA À INABILITAÇÃO TEMPORÁRIA, PELO PRAZO DE 5 ANOS, PARA O EXERCÍCIO DE AAI VINCULADA A QUAISQUER PARTICIPANTES DOS MERCADOS ADMINISTRADOS PELA B3, POR VIOLAÇÃO AO ITEM I, CONFORME DEFINIDO NO ITEM II, ALÍNEA ‘C’, DA ICVM 8. PESSOA JURÍDICA CONDENADA À MULTA NO VALOR DE R$ 50.000,00 POR INFRAÇÃO AO ARTIGO 13, VI, DA ICVM 497. ACUSAÇÃO DE INFRAÇÃO AO ARTIGO 13, VIII, DA ICVM 497 ABSORVIDA PELA PRÁTICA DE CHURNING.